Verão, 19 horas, Poldy & Cercyo jantam à mesma hora das galinhas acompanhados por Mariló, sua filha. Ele quase parece devorar a comida sofregamente e a mulher é que vende a conversa fora. De repente, e depois de mais um trago naquele vinho horroroso comprado num supermercado popular - aquele que até distribui um jornal nas caixas do correio e tudo - Cércyo interrompe a sua voragem pela comida e diz “e que tal ir à praia amanhã?!” Mariló encolhe os ombros e continua a comer de cabeça baixa, resmungando entre dentes “isso é com vocês”, Poldy reage como sempre e em tudo, abruptamente exuberante “já sabezes que eu não possoze apanharze muito soleze, muito menosze nas horasss de maior caloreze, porque me fass mal à peleze!”, e diz mais ainda “temus que ireze de manhã cedoze”, ao ouvir isto e não lhe agradando o horário proposto, Mariló que já estava de saída da mesa, diz “se é para levantar muito cedo não contem comigo”. E foi-se.
Cércyio ajuda a mulher a levantar os pratos e diz “amanhã levanto-me e faço o farnel para levar”, ao qual Poldy responde “não ezazereses com as quantidadezes”, Cércyo acena afirmativamente com a cabeça, forreta como é, quanto menos levar melhor. Entre o barulho dos pratos e talheres a meio da azáfama de arrumar a cozinha, Poldy grita para Mariló “ó filha, o papá vai fazereze o farnel para a praia amanhã, queress que conte contigoze ou nãoze?”, Mariló responde “ok, pode ser”, e Poldy diz ao ouvido de Cércyo “fass mais meia sandeze porque ela vai connoscoze”.
Manhã de Domingo, a família acorda ávida do passeio à praia e o rebuliço é grande para chegar cedo porque Poldy quer chegar cedo. Todos se arranjam com rapidez, só Mariló toma banho, o velho faz a barba e diz “banho tomo depois na praia”, Poldy concorda, pois sabe que assim poupa água, sabonete, shampô e gaz, aliás Poldy não é muito amiga de água, nem de banho. Entretanto, Cércyo enfia o farnel na geleira e diz “vou andando para baixo e espero lá por vocês”. Passado um bocado põem-se a caminho.
A praia fica apenas a cerca de 25 km da casa desta peculiar família, mas a viagem demora mais de uma hora, pois Cércyo não carrega no pedal direito e vai em velocidade de lesma, por duas razões, a primeira porque está ficar um bocado gagá e a segunda porque quer poupar o máximo de combustível.
Chegados á praia, começa o verdadeiro show desta família que tanto tem de ridículo como de cómico, ou das duas coisas. Cércyo abre o chapéu de sol que como é de esperar de discreto nada tem, no mínimo meia dúzia de cores diferentes e também alguma ferrugem do salitre acumulado ao longo de várias épocas balneares. Poldy começa a espalhar creme protector solar por todo o corpo em espessas camadas, mas que de nada serve, já que para poupar, a velha mistura óleo Jonhson no creme para render mais… ou para fritar mais, vá-se lá saber…
Entretanto, Mariló meio a bocejar ainda, afasta-se da confusão, pega na toalha, e deita-se nela a uns dois metros de distância. Poldy estava quase em transe para pôr tudo em ordem, pendurando pequenas toalhas de bidé nas bordas do chapéu de sol com molas de roupa e tudo – isto não é um texto surrealista – isto é uma verdadeira família na praia, a um domingo de um qualquer dia de verão. Passado um bocado, Cércyio diz “acho que vou dar um mergulho” e vai mesmo, logo Poldy lhe segue as pisadas e começa o show aquático. Cércyo que mal sabe nadar, mergulha de lado e nada de lado, tipo quase á cão, mas sempre de lado. Poldy agita o diminuto rabo e as gigantescas mamas nas pequenas ondas com dois palmos de altura, bem ao jeito dos patos nos lagos dos jardins e ainda por cima grita “que maravilhaze que isssto é, paraceze messsmo um zacuzzzi!” Cércyio ignora e continua a nadar de lado. Logo a seguir chega também à água Mariló que não mergulha mas dá umas braçadas e diz “a água está mesmo boa papá”, ao qual Cércyo responde como um troglodita “aaaargh está muita boa eiágua hoje”. Poldy continua no seu agitar e até os putos que jogavam à bola por ali perto, pararam por momentos para ver a velha a tomar aquele banho tão peculiar.
Depois de tanto chapinharem na água regressam às areias, ainda frias pois o astro-rei ainda não tinha aquecido o suficiente. Poldy espalha mais daquela mistela a que chama de protector solar pelo corpo ainda molhado e chama Cércyio “anda cá maridão para eu te poreze cremeze”, ao qual Cércyo não tem outro remédio senão ceder á ordem de Poldy. Pouco depois e após a aplicação da mistela, Cércyo fica com um aspecto lastimável, tipo molhado e gorduroso em simultâneo. Mariló é que não vai na conversa e espalha um creme caríssimo que é só dela, agarra num livro daqueles que estão na moda nas livrarias e começa o seu momento de leitura, enquanto põe os phones nos ouvidos, não só para ouvir música, mas essencialmente para não ouvir os disparates da velha. Entretanto as toalhas de bidé ganham vida, Poldy coloca uma sobre a testa e justifica o acto dizendo “assimze protejuze a cara do soleze, e tu maridão põe uma também”. Cércyo finge que não ouve.
Uma hora de sol depois, chega a hora de comer o farnel. Cércyo pega na geleira e começa a distribuir o económico manjar dizendo “trouxe muita comida, toca a comer para não se estragar”. Muita comida, é para ele meia sandes para cada um e uma duas cervejinhas para três pesoas, mais uma peça de fruta para cada um. Ah, a velha ainda levou dois iogurtes feitos lá em casa por ela numa máquina de iogurtes que só mesmo ela e Cércyo os conseguem comer… A meio da farta refeição de praia, Cércyo diz “estas sandes estão boas” e Poldy responde “fizesteze comidaze demaisss, vai-te fazereze mal e já não podesss ir maisss à iágua”. Cérzio encolhe os ombros e percebe que a mulher quer ir embora mal acabe de comer. Mariló come calada e saca da mala um iogurte daqueles que anunciam na televisão que levou só para ela. Mais dez minutos de sol e toca a arrumar todo aquele arsenal de coisas para voltar ao lar.
Durante o caminho de regresso, e já a pensar no almoço tardio em casa, Cércyo comenta para Poldy “tenho lá uns carapauzinhos para grelhar ao almoço, fazes um esparguetezinho para acompanhar?”.
…E os putos voltaram a jogar à bola, mas já sem motivos para rir.
ADOREI ! é cada um melhor que o anterior, fico à espera do próximo :)
ResponderExcluir# joana redondo